Para quem já leu “Admirável Mundo Novo”, do escritor inglês Aldous Huxley, é inevitável associar aquilo a que ele chamou de “soma”, ao consumo de substâncias alteradoras do humor.
Este “soma” tratava-se de um medicamento prometedor de fácil e rápida felicidade e sensação de bem-estar, sendo que, na história narrada por este livro, era disseminado pela população, de maneira a garantir que todos estivessem felizes e, assim, menos atentos e retaliadores, mas também menos humanos.
Quando falamos da adição, não nos referimos a um problema de moral. A pessoa que tem o problema da adição não deixa de ter valores e princípios, nem é “má pessoa”. Os seus comportamentos durante o uso podem fazer com que quem a vê, julgue que não se importa e que não tem sentimentos. Pode parecer desumana. Talvez ela própria se sinta assim.
Durante muito tempo se apontou o dedo e se olhou para o consumidor de drogas como um criminoso e alguém à margem da sociedade; alguém que se está assim, é porque quer e porque gosta da vida que leva. Hoje em dia sabemos que a adição é uma doença e pouco ou nada tem a ver com moral. Digo pouco ou nada, apenas porque podemos pensar que, durante os consumos, a pessoa com este problema, pode adotar comportamentos que consideramos errados moralmente, como a mentira, a manipulação, o roubo ou outros comportamentos realizados muitas vezes como forma de manter os consumos. Contudo, hoje sabemos que se trata de uma doença.
Assim, o que é que caracteriza esta doença da adição?
● Incapacidade para controlar o consumo. Muitas vezes, mesmo reconhecendo os evidentes danos causados pelos consumos, a pessoa que sofre deste problema é incapaz de os controlar. Pode inclusive efetuar tentativas de paragem, mas, mais tarde ou mais cedo, assim que voltar a tocar na substância, percebe (ou não, dada a negação tantas vezes presente) que esta é que a controla a ela e não o contrário.
● Perante a ausência dos consumos, surgem sintomas de abstinência, que variam consoante o tipo de substância e podem ser de ordem física ou psicológica. Estes podem prolongar-se ainda durante algum tempo.
● A pessoa sente ansiedade para consumir, tendo pensamentos obsessivos e recorrentes sobre a substância, os seus efeitos e as formas de conseguir consumir. Estes pensamentos são intrusivos e geradores de uma grande inquietação e sofrimento. Com o passar do tempo, esta ansiedade acompanha também o desenvolvimento de uma tolerância à substância, pelo que a pessoa deixa de conseguir o efeito desejado, acabando por aumentar a quantidade da substância consumida.
● Há uma dificuldade no cumprimento dos diversos papéis da vida da pessoa, como ao nível das relações pessoais, do contexto profissional e do assumir das diversas responsabilidades. Este incumprimento pode ser pontual ou tornar-se numa rotina, em que a pessoa passa a faltar a eventos familiares importantes ou a deixar de conseguir ir trabalhar nas devidas condições. Pode inclusive passar por um distanciamento a nível emocional, em que a substância passa a ocupar o lugar prioritário.
Importa ainda referir que, apesar de neste artigo apenas abordarmos a vertente química deste problema, a adição manifesta-se também muitas vezes sob a forma de comportamentos, como o jogo, as compras, o sexo, a comida ou o trabalho. Apesar das diferenças que possam existir, em todos os casos há esta procura pelo prazer intenso e imediato e pelo alívio do mal-estar.
À semelhança do “soma”, esta substância surge como uma forma miraculosa e ilusória de satisfazer as necessidades emocionais da pessoa - pode fazer com que se sinta relaxada, feliz, aceite, em paz. Assim, a pessoa que tem este problema da adição desenvolve uma baixa tolerância à dor e à frustração, sendo que perante situações difíceis e emoções mais desagradáveis, terá tendência para procurar a substância como forma de aliviar, não pensar e não sentir. Depois o efeito passa, a realidade cai e está lá tudo no mesmo sítio ou pior. Facilmente se entra num ciclo aditivo, de onde é difícil sair sozinho. Mas é possível encontrar essa saída e viver uma vida em recuperação. Peça ajuda.
Texto elaborado por: Dra. Carina Cristino, Psicóloga Clínica e da Saúde, Especialista em comportamentos aditivos, e Formadora na ForYourMind.
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